Segunda, 25 de Novembro de 2024
Bahia Trabalho exaustivo

Correndo atrás do prejuízo: falta de clareza nos repasses financeiros de apps prejudica motoristas e entregadores

Trabalho exaustivo, remuneração incerta, zero direitos: a realidade dos trabalhadores de aplicativos no Brasil

25/05/2023 às 10h06
Por: Redação Feira Em Pauta Fonte: Metro1
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Desde que fincou sua bandeira no Brasil em 2014, a Uber não teve dificuldade pra criar e dominar um mercado novo: o do transporte individual de pessoas em carros particulares. Se diferenciando dos táxis, e trazendo um cheiro de novidade, a Uber prometia sofisticação, rapidez e tecnologia de um lado, e uma oportunidade rentável e autônoma de trabalho do outro. Logo outras plataformas surgiram e ampliaram ainda mais esse mercado. Hoje, quase 10 anos depois, o que se vê é um cenário complexo: um emaranhado que envolve a exaustão dos trabalhadores, baixa remuneração, questionamentos jurídicos sobre os direitos desses profissionais, insatisfação de usuários e uma dificuldade enorme de regulamentar o serviço das plataformas de transporte e entrega no Brasil.

O país tem hoje 1,2 milhão de motoristas de aplicativos e 385 mil entregadores. Boa parte dessas pessoas utiliza os aplicativos como única fonte de renda. Eles reclamam que os repasses feitos pelas empresas são baixos, às vezes menos da metade do valor pago pelo usuário. Como as corridas mais curtas são baratas, os motoristas chegam a receber cerca de 5 reais por trecho, o equivalente ao preço do litro da gasolina. Os carros rodam o dia inteiro, precisando de manutenção com frequência. No fim das contas, depois de exaustivas jornadas de trabalho, o que vai pro bolso do motorista é muito pouco.

Dados e estudos

As empresas discordam, é claro. Um estudo divulgado em abril pela Amobitec, entidade que reúne os principais apps que atuam no país, como 99, iFood e Uber, trazia um cenário animador. Segundo o estudo, um motorista que roda 40 horas por semana teria renda de quase 5 mil reais líquidos, ou seja, já descontados os custos com combustível e manutenção. Mas este estudo omite um detalhe que faz toda diferença: essas 40 horas semanais seriam 40 horas ininterruptas de corridas com passageiro no carro, ou seja, tirando o período ocioso, os intervalos entre deixar um passageiro e apanhar outro, o tempo “à disposição” da plataforma sem nenhuma corrida ativa. Pra conseguir juntar 40 horas ininterruptas de corrida numa semana, quantas horas seriam necessárias numa jornada diária de trabalho?

Contestando esses dados, um grupo de pesquisadores da pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro apontou “graves inconsistências metodológicas” no estudo divulgado pela Amobitec. De acordo com eles, analisando os próprios dados do estudo, é lógico deduzir que os ganhos dos motoristas ficam entre R$ 1.056 e R$ 1.672 em média, descontando os custos, e os dos entregadores estão entre R$ 482 e R$ 816.

No último dia 15 de maio os mais de um milhão de trabalhadores de aplicativos decidiram paralisar o serviço no Brasil, em protesto por melhores remunerações e condições de trabalho. O manifesto dos motoristas, divulgado no início do mês, menciona “ansiedade e desespero” por trabalharem cada vez mais e colocarem suas vidas em risco nas ruas, mal conseguindo pagar contas no fim do mês.

A paralisação teve cerca de 80% de adesão nacional, número que se refletiu aqui na Bahia segundo Vick Passos, presidente da Coopmap (Cooperativa Mista de Motoristas por Aplicativos), que representa parte dos 27 mil trabalhadores no estado. Nem a Uber nem a 99 publicaram sequer uma nota sobre os protestos.

De acordo com Passos, os critérios utilizados pelas plataformas para calcular os valores repassados aos motoristas são confusos. Numa corrida em que o usuário paga sete reais, o motorista pode ficar com R$ 6,50, e em outra corrida de mais de 60 reais, o motorista recebe menos da metade. A variação do repasse fica entre 25 e 55%, e o profissional nunca sabe como esse cálculo é feito.

Poder público

Enquanto isso, em Brasília, o governo federal encontra dificuldades para cumprir uma promessa de campanha de Lula: regulamentar o serviço dos motoristas de aplicativos. O trabalho começou cedo. Em janeiro, o presidente participou de uma videoconferência com representantes do governo espanhol, que apresentaram ideias sobre como tributar aplicativos e garantir que as empresas sejam responsabilizadas pela proteção de direitos trabalhistas.

O governo então decidiu criar uma comissão para estruturar a regulamentação, mas a complexidade do problema surpreendeu os integrantes do grupo. A proposta de apresentar um projeto até o início do segundo semestre parece cada vez mais improvável, e é possível que o texto só fique pronto em 2024. Até lá, motoristas seguem jornadas exaustivas, reclamam dos perigos de rodar sobretudo à noite, com remunerações baixas em critérios nebulosos.

Em total paralelo a essas questões, a Uber divulgou no início do mês que sua receita cresceu 29% no primeiro trimestre deste ano, alcançando US$ 8,8 bilhões (R$ 44 bilhões). Concorrentes regionais menores também aumentaram em faturamento.Há 10 anos o bolo só faz crescer. Resta saber quando é que chega a hora de dividir.

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