A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) reverteu uma decisão de primeira instância e autorizou que uma mulher que está grávida de um feto com má-formação e sem chance de vida fora do útero tenha acesso ao aborto legal. A decisão foi unânime. As informações são da coluna de Monica Bergamo, da Folha de S. Paulo.
A paciente busca na Justiça o direito de abortar desde julho, quando estava com 22 semanas de gestação. Ela é assistida pela Defensoria Pública.
O desembargador Geder Luiz Rocha Gomes diz no parecer que o Brasil é um Estado laico e que não se pode minimizar as "dores, física e psicológica, suportadas pela mulher" como do caso em questão.
A decisão reforça que o risco à saúde da gestante não se limita apenas "à higidez física, perpassando, também, por óbvio, pela saúde mental, consubstanciada na imposição à mulher de manutenção da gravidez, contra sua vontade, mesmo diante de diagnóstico da inviabilidade de vida extrauterina". Um laudo de uma psicóloga foi anexado ao processo, atestando o sofrimento que a gestante tem passado.
"Cite-se precisa colocação feita pela dra. Debora Diniz [antropóloga e professora da Unb], ao ser ouvida na realização da audiência pública que tratou acerca da anencefalia, destacando que impor à gestante a manutenção da gravidez faz com que ‘(…) [o] dever de gestação se converte no dever de dar à luz um filho para enterrá-lo’", diz trecho da decisão.
Aborto impedido
O procedimento havia sido barrado em primeira instância, quando foi afirmado que não havia indício de risco à vida da gestante. O laudo médico apresentado pela paciente foi contestado.
Um exame de ultrassonografia anexado ao processo afirma que o feto está com seus pulmões, os rins e o coração comprometidos. Também atesta que há ausência de líquido amniótico. "Segundo a literatura vigente, este diagnóstico é incompatível com a vida extrauterina", diz o documento assinado por duas médicas. A magistrada que analisou o caso em primeira instância pediu um segundo laudo, feito por um especialista, que deu o mesmo diagnóstico.
A juíza responsável pelo processo pediu então um parecer ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (Nat-Jus) e ao Ministério Público da Bahia (MP-BA). O Nat-Jus disse que deve ser considerada "com cautela" a intervenção fetal com base em "achados ultrassonográficos". Para o núcleo, não há elementos técnicos para justificar o aborto. O MP-BA também foi contra o procedimento, alegando que havia uma "divergência entre as conclusões técnicas trazidas aos autos".
A Defensoria solicitou outro parecer a um especialista de medicina fetal, que fez novo exame e atestou que o feto sofre insuficiência renal crônica irreversível, além de "hipoplasia pulmonar devido a ausência do líquido amniótico". Para o especialista, há "poucas chances de sobrevivência" após o parto. "O conjunto dos achados ultrassonográficos e da história natural da doença obstrutiva baixa nos levam à conclusão de impossibilidade de tratamento eficaz definitivo após o nascimento da criança, com poucas chances de sobrevivência e implicando numa condição paliativa em relação à sua sobrevida", diz.
O MP voltou a se manifestar afirmando que o parecer médico "não afirma a inviabilidade completa de sobrevivência extrauterina". O órgão voltou a se posicionar contra o aborto, posição acatada pela juíza do caso e agora revertida por uma instância superior.
Sobre o parecer do Nat-Jus, o desembargador que concedeu o direito ao aborto afirma que "houve um desenvolvimento considerável da tecnologia quanto aos diagnósticos por imagem" e que é possível "se constatar com antecedência e certeza os casos de incompatibilidade de vida extrauterina".